quarta-feira, março 09, 2005

O Plágio

© Alexandre Fernandes Heredia

Não havia som nenhum além do zumbido contínuo em seu tímpano, como uma pequena broca de dentista em seu cérebro. Abriu com dificuldade os olhos, apenas para descobrir que estava vendada. Respirava com dificuldade, pois a boca estava também tampada, com o que parecia ser uma fita adesiva. Ao tentar mover o braço percebeu que estavam presos às suas costas, no encosto da cadeira. Seus tornozelos e os da cadeira eram um só, e a fita adesiva repuxava sua pele.

– Bom dia – disse uma voz masculina em tom amigável. Ela tentou responder, mas o som saiu abafado pela fita em sua boca. – Oh, é claro, me desculpe – disse a voz novamente. Sabia o que viria a seguir, por isso prendeu a respiração. A fita saiu com um gesto rápido. A dor foi tão aguda que ela nem conseguiu gritar. Sorveu o ar em golfadas histéricas.

– Quem é você?

– Não sabe? Claro que sabe. Imagino quantas vezes tenha antecipado este momento, corroída pela culpa e arrependimento velado. É claro que você sabe quem eu sou.

– Do que você está falando? Não faço a menor idéia de quem você seja, e nem por que me prendeu aqui!

– Sabe, eu não sou idiota. Não sou muito esperto, mas não idiota. Mas vamos supor que esteja falando a verdade. O que os títulos "Luar Negro" e "Sombras da Ribalta" te dizem?

– Meus livros? O que isso tem a ver com eles?

– Seus livros? SEUS? Sua prepotente de merda, nem confrontando a verdade é capaz de derrubar a máscara? Seus livros? Ainda tem a cara de pau de chamá-los de seus?

– Que você está falando? É claro que são meus! Vá em qualquer livraria e veja o nome na capa! Ai!

– Cala a boca, ou dou mais que um tapa! Sua vagabunda, roubou minhas idéias, meus personagens, minhas tramas, e até mesmo meus finais! Sabe quanto tempo levei para elaborá-los? Meses! Meses de minha vida, que vi desperdiçados após uma mera visita a uma livraria. E os títulos! Nem teve a vergonha na cara de alterá-los um pouco para disfarçar!

– Olha – cuspiu o sangue do lábio cortado – eu não sei do que você está falando. Inventei esses livros da imaginação. Criei-os do zero. Por Deus, você acha que estou te plagiando?

– Sabe a quanto tempo estou nesse ramo? Quinze anos! E sabe quantos livros eu já publiquei? Nada, nenhum! "Muito sombrios", disseram. Não vende. E de repente, o que vejo? As mesmas idéias sombrias, os mesmo livros invendáveis estão na prateleira de lançamentos! Com a plaquinha "mais vendido" lá, zombando da minha cara!

– Senhor, por favor, vamos esclarecer isso de uma maneira civilizada. Se está disposto a me processar por plágio, é perfeitamente compreensível. Não estou assumindo nada, mas posso ter, acidentalmente, copiado alguma coisa de alguém. Mas como vou saber se você não me diz quem é?

– "Sombras da Ribalta". Sabe quanto tempo levei para elaborar este título? Dezesseis meses. Escrevi o livro inteiro nesse meio tempo. Foi minha obra prima. Cada sub trama entrelaçada, cada detalhe levando ao final inesquecível. E para que? Para ver uma puta usurpadora levar os créditos. Me explique como. Como você conseguiu?

– Senhor, por favor...

– COMO? – gritou, esbofeteando-a mais uma vez.

– Eu não sei! Sei lá, um dia a idéia surgiu, clara, e eu escrevi. Foi natural! O título foi a primeira coisa que me apareceu! Pelo amor de Deus, o que eu posso dizer? Eu escrevi o texto, juro! Não copiei de ninguém, simplesmente criei. A inspiração veio, e eu escrevi.

– Sem pesquisa? Sem estudo? Sem elaboração? Assim, de repente, como uma luz divina?

– Foi...

– Então chegamos a um impasse. Ou você roubou meus manuscritos e está mentindo, ou então você é algum tipo de telepata que, por acaso, só lê os meus pensamentos. No que devo acreditar?

– Eu não sei, droga! Não te conheço, não sei do que você está falando! Os textos são meus! Escrevi-os eu mesma! Pelo amor de Deus, me deixa ir embora! Eu pago o que for...

– Com o meu dinheiro, sua vaca? Os meus direitos autorais que você roubou descaradamente? Não, não quero seu dinheiro. Não quero sua fama. Não quero sua vida! Eu quero é meu trabalho, a MINHA vida de volta, entende? Dediquei meu tempo e esforço em minha carreira, e agora você me vem com oferta monetária? Você acha que eu escrevo por isso? Por dinheiro?

– Não, eu...

– Eu conto histórias! Eu quero ser lido! Quero ser reconhecido por isso! Não, sua puta, dinheiro nenhum do mundo vai trazer de volta o que você me roubou. Você tirou de mim minha essência, minha alma! Quanto você acha que vale minha alma?

– Eu não sei...

– É claro que não! Você não sabe nada! Não sabe o trabalho que dá escrever. Simplesmente rouba as idéias, as histórias alheias, e as publica com seu nome em cima. Você OUSA se intitular escritora? Não é mais que uma ladra, uma punguista literária. Deixe seu dinheiro para seus herdeiros!

– Então o que é que você quer, merda?

Ruído de uma bandeja de metal jogada displicentemente sobre uma mesa. Tilintar de ferramentas. O toque gelado de uma faca em sua bochecha esquerda. Uma fungada.

– Sabe o que vou fazer? Vou escrever sobre nosso encontro. Vou contar a todo mundo o que aconteceu aqui. E sabe como pretendo terminar esta história?

Silêncio. Subitamente imagens inundaram sua mente, sem controle. Mais claras que um sonho, menos que a realidade. Viu a si mesma como se estivesse numa projeção astral. Testemunhou silenciosamente cada corte, cada estocada, cada golpe impiedoso, cada soluço e cada grito. O gotejar de seu sangue no chão ribombava como gongos em seu cérebro. Sentiu o desespero, a dor, a angústia da vida se esvaindo a cada segundo de sua tortura interminável.

– Sim... – disse ela, com um sussurro de voz. Lágrimas encharcavam a venda sobre seus olhos.

– Boa menina. Vamos começar...